transformei a rotina matinal de um herói num ritual de silêncio
ou: tudo sobre a minha nova rotina de 'despejo'
o zum zum zum começou antes mesmo de eu abrir os olhos.
às cinco da manhã, quando o meu despertador tocou, a minha cabeça já tava transbordando.
era um lembrete pra cá. uma memória embaraçosa pra lá. uma dúvida nada a ver do outro lado. será que cachorros também criam expectativas? por onde anda o kayky britto, hein? e se eu assistisse ‘orgulho e preconceito’ de novo hoje à noite?
a minha feira mental já tava a todo vapor e eu não tinha nem levantado da cama.
pra ser sincera, arrumar a cama e trocar de roupa num teve muito efeito. lá eu ia, com o celular na mão, checando notificações enquanto escovava os dentes e assistindo reels enquanto tomava café da manhã.
coisas que eu jamais fazia meses atrás.
o misto de ansiedade, cansaço e inverno canadense fez alguma coisa com o meu cérebro e de repente tudo o que eu sei é consumir conteúdo. se não tô nas redes, eu tô lendo. se não tô lendo, eu tô vendo um filme, uma série, um vídeo no youtube.
chega o fim do dia e eu só quero silêncio.
mas como é possível, se eu já moro sozinha?
o silêncio que eu busco é outro, mental. aquele que faz a gente respirar fundo e lembrar que tá viva. eu andava meio esquecida da vida, mesmo, então fazia sentido.
tive um momento de ruptura quando uma enxaqueca bizarra não me deixava nem pensar direito e eu me senti aliviada.
a dor substituiu o barulho.
me volto, então, pros meus heróis, e uma ideia que a minha terapeuta com certeza ia detestar: um desafio pessoal. um corte seco. um extremismo proposital pra tentar arrancar o curativo maltrapilho que coloquei sobre um ferimento à bala.
‘a partir de amanhã’, pensei comigo, ‘vou tentar seguir a rotina da manhã do austin kleon’.
e lá fui de novo, dessa vez tentando entender o que ele fazia, como fazia e o que dava pra encaixar no meu estilo de vida. montei um tetris de hábitos que pareciam fazer sentido. encaixei meu cachorro ali, meu diário do lado de cá, meu amado bullet journal ganhou um espacinho também.
me distanciei alguns passos pra olhar a obra de arte.
‘olha’, suspirei, ‘acho que pode funcionar.’
ai, de novo esse papo de rotina matinal?
eu sei que já falei disso aqui, e juro de pé juntinho que não queria ser essa garota, mas a experiência e uma obsessão sobrenatural por criatividade me colocaram nessa posição. a verdade, eu sinto, é que a gente subestima a diferença que faz começar um dia bem, no seu ritmo, sem correria.
e quando eu digo ‘correria’, não digo só no sentido literal - correr da cama pro banho pro trabalho - mas também mental: quando você já começa com uma enxurrada de conteúdo e informação que você não necessariamente queria consumir, mas sente que precisa.
conversei com a - o mito, o ícone -, uma mulher maravilhosa que além de inscrita nesta newsletter (!!!) é especialista em organização e rotinas para criativos, e ela já começou o nosso papo levando a conversa pra um nível altíssimo. olha só:
“esse consumo vira uma sobrecarga de ideias que vão virando frustrações por não conseguirem sentir e enxergar a criatividade. por mais que você esteja consumindo informação de coisas que você gosta e que podem até te nutrir de alguma forma, quando você não se permite se expressar e ser criativa, você vai ‘deixando de ser’, e me arrisco a dizer que o próximo passo é a paralisia, depois a ideia de que você não é capaz… só ladeira abaixo.”
pra pintar um quadro um tanto quanto assustador: tem uma historiadora e professora da universidade de harvard, nos estados unidos, — o nome dela é rebecca lemov — que compara os usuários de redes sociais com prisioneiros de guerra.
agora pensa começar o dia com essa vibe deliciosa?
ok, talvez olhar pra si como uma ‘prisioneira de guerra’ seja exagerado e pouco relacionável. então, fui no chat da newsletter aqui no substack e pedi ajuda da comunidade. a , psicóloga e psicanalista, além de assinante da news, veio ao meu resgate com uma resposta bem interessante do efeito que esse hiper consumo de informação logo cedo tem na nossa vida.
se prepara porque é paulada, tá?
“esse excesso produz sensações de mal-estar e também reduzem nossa performance cognitiva, se tornando mais difícil operar da forma basal que outrora seria possível. quanto mais preenchemos todo o nosso tempo com informações vindas de fora, mais desgastados e angustiados tendemos a nos sentir (ansiosos, então, nem se fala, pois não raro esse consumo é em grande quantidade e numa velocidade que é difícil pro nosso cérebro processar, nos deixando também acelerados, e, ao mesmo tempo, com uma resposta mais lenta às demandas externas).”
eu avisei.
pra resumir essa fala da anna de forma maravilhosa, ela disse assim: “preencher todo o espaço com informações e estímulos é prejudicial para nós”, o que me fez pensar no que eu tava sentindo (e que narrei no começo desse texto). realmente, tava preenchida de tantas formas e em tantos níveis que não tinha espaço pra mais nada.
e isso é horrível.
entra aí a minha necessidade por uma rotina matinal totalmente offline e que priorizasse o despejo de informações ao invés do consumo. eu tava precisando criar espaço mental pra criar (risos) e a forma mais eficiente, pra mim, era escrevendo. por isso voltei com o diário e coloquei a atualização do meu bujo e também do meu reading journal/commonplace book nesse período do dia.
dessa forma, eu usaria o meu tempo antes da vida pegar no tranco tirando coisas da mente ao invés de já sair entuchando areia num caminhão lotado.
aqui, um adendo importante. vamos lembrar que eu sou uma mulher solteira e sem filhos, o que significa que tenho o privilégio de controlar o meu tempo da maneira que faz sentido pra mim. muitas podem não vivem da mesma forma, e tudo bem. o importante é entender onde tá o gargalo e fazer o possível pra aliviar a carga mental.
“o tédio é necessário pra que a gente seja criativa também”, continua a fê, e isso ressoa tanto aqui dentro, sabe? porque eu tenho percebido, desde que alterei a minha rotina, como as minhas melhores ideias vêm nos momentos aleatórios, quando eu tô limpando o balcão da cozinha, escrevendo no meu diário ou só observando a paisagem lá fora.
então, proteger as primeiras horas do dia seria o primeiro passo pra permitir a nossa mente criativa de fazer o que ela faz de melhor. mas antes de sair ditando regra e dizendo o que você tem que fazer, vale a gente passar por outro ponto.
“e aí? como eu tô me sentindo hoje?”
essa fala da fê é, talvez, uma das perguntas mais valiosas que você pode se fazer de manhã, e uma que eu me faço diariamente na hora que sento pra escrever no meu diário.
rotinas precisam fazer sentido pra você e pra sua realidade, e o que funciona pra mim pode não funcionar pra você. e tudo bem, desde que você esteja priorizando o seu bem-estar. o ponto, aqui, não é exatamente a lista que você vai seguir depois que acorda, mas como ela colabora pra você seguir o dia com uma vibe melhorzinha e, principalmente, a mente mais leve.
segundo a anna:
“[a gente pode aliviar os sintomas do consumo excessivo de informação] encontrando formas de garantir ‘espaços’ e ‘brechas’ em que esse consumo seja reduzido, o que muitas vezes vai significar se impor algumas regras na própria rotina, já que temos muita dificuldade de fazer isso por conta própria. além disso, realizar atividades que não envolvam o consumo passivo de informações, mas que possam ser atividades criativas e/ou de relaxamento.”
uma pausa pra gente repetir um mantra aqui, tá? você tá pronta? então, respira fundo e vem comigo:
scrollar não uma atividade criativa, nem relaxante.
eu sei, é difícil aceitar. a sua cabeça vai brigar e eu topo comprar essa briga. a gente pode entrar num ringue ou só discutir mentalmente, mas você e eu sabemos que essa é, talvez, uma das poucas verdades nas quais a gente pode se apoiar.
o que não significa que scrollar não seja um tipo de entretenimento fácil ou que você precisa se remover completamente da internet (o que soa bem tentador, sendo sincera). mas tal qual a criança que só quer comer doce o tempo inteiro e a mãe não deixa porque faz mal pra saúde, a gente precisa ter uma ‘mãe’ mental que diz ‘não’ mesmo quando a gente faz birra e grita lá da cozinha SÓ MAIS UM BRIGADEIRO, MÃE!
é óbvio também que, aqui, a gente pensa na manhã como aquele momento mais importante porque é o que vai ditar o seu dia, mas a gente tem que pensar também no restante. não adianta passar duas horas offline logo cedo e as outras 16 horas seguidas coladas numa tela.
(televisão entra nisso também, tá?)
(desculpa.)
aliás, aqui a fê entra mais uma vez com a sua sabedoria:
“planejar pausas no dia é necessário. se eu não planejo, quando tem alguma pausa eu faço a coisa mais fácil que posso fazer: pegar meu celular e gastar esse tempo consumindo e absorvendo mais informações que relaxando. um tempo necessário de rabiscos no papel até ter uma ideia não vai acontecer se você ficar consumindo informação o tempo inteiro.”
não fui eu que disse, tá? (mas assino embaixo.)
e aí entra a perguntinha lá de cima de novo, “como eu tô me sentindo hoje?”. porque por mais que você tenha uma rotina hiper cronometrada (eu), ter a flexibilidade de entender que as suas necessidades mudam dia a dia e as atividades podem ser outras, o resultado deve ser o mesmo: você estar na sua melhor forma (dentro do possível) pra cumprir com as suas obrigações cotidianas.
porque, na real, a vida adulta é isso, né?
“as rotinas servem pra que a gente se obrigue a ficar bem. e ai de mim se não fossem elas!” a , que também é assinante da news, soltou essa pérola na nossa conversa sobre o assunto e eu não poderia concordar mais.
a minha rotina de despejo
é chegada a hora. venho por meio desta contar o que tenho feito das minhas manhãs ultimamente. como lembrete bom é lembrete dado com frequência pra ninguém esquecer, aqui vão algumas coisas pra você considerar:
eu trabalho de casa.
eu moro sozinha.
eu tenho um cachorro.
eu sou extremamente disciplinada, beirando o inflexível. minha mente funciona na base de estrutura e regras e isso pode ser muito bom e muito ruim ao mesmo tempo.
porque sou extremamente disciplinada beirando o inflexível, o meu dia é composto por inúmeras pausas (sou cadelinha do método pomodoro) que preencho com atividades manuais, principalmente faxina. me ajuda a desestressar e tirar a mente do trabalho, além de ocupar as mãos.
fora uma boa rotina matinal, eu tenho uma rotina noturna tão regrada quanto. posso falar mais sobre isso no futuro, mas é importante você saber que não existe rotina matinal sem higiene do sono.
todo mundo de acordo sobre os privilégios e as particularidades dessa que vos escreve? então, seguimos.
a minha ‘rotina do despejo’ é concentrada em dois hábitos que o austin kleon segue na rotina dele: escrever nos diários e caminhar.
adaptei isso pra minha realidade criando a seguinte estrutura:
05am: acordar
05:15: passear com o Michael
05:30: fazer o café da manhã
05:50 - 06:15: escrever no diário e atualizar o bullet journal
06:30: academia (alterno treinos de força com caminhadas de 3-4km, que é o que o austin faz diariamente)
07:10: banho + me arrumar pro trabalho
07:50~08am: segundo passeio com o michael
08:15: atualizar o reading journal/commonplace book
09am: começo do dia de trabalho, celular e redes sociais liberadas.
é claro que uso o meu celular em alguns momentos da minha rotina. por exemplo, os meus treinos ficam anotados no notion e eu escuto música na academia. é aí, eu acho, que entra o meu lado disciplinada/controladora porque eu realmente não uso o celular além dessas funções até o horário liberado.
força de vontade? talvez. a meu ver tá mais pra forma como a minha mente funciona. se eu decido uma coisa, tá decidido e é assim que eu vou fazer até o fim dos meus dias. sentir na pele os resultados (pro bem e pro mal) e me manter consciente deles também ajuda.
pode ser só hábito também. talvez uma mistura de tudo? talvez.
outra coisa: talvez não faça sentido pra você eu ‘quebrar’ essa rotina no meio pra ir na academia. mas acontece que quanto mais demoro pra fazer exercício, menos vontade eu tenho. então prefiro ir logo a não ir. fora isso, pra mim exercício também é uma forma de ‘despejo’ porque eu libero energia e, por consequência, limpo a mente.
‘maki você segue isso a risca todo santo dia?’
não. tem dias que troco o reading journal por leitura porque não tenho nada mais pra escrever. tem dias que o bujo só entra logo antes do dia de trabalho começar porque escrevi muito no diário. tem dias que não vou na academia porque meu corpo quer descansar. tem dias que eu levo mais tempo no banho sem motivo algum, just because. tem dias que maiquinho quer passear mais tempo e eu respeito o tempinho dele. tem dias que é fim de semana e no fim de semana eu faço o que dá vontade.
até mesmo eu, a rainha da inflexibilidade, sou meio flexível às vezes.
a questão é: essa rotina mudou tudo pra mim e eu nunca me senti tão leve mentalmente. somado com as pausas no trabalho e a rotina noturna (sem celular a partir das 9pm) a diferença no meu bem-estar é notável, e tô me sentindo bastante criativa e mais propensa a escrever coisas novas.
ainda bem, né? ninguém precisa desse tanto de informação.
baú de referências
referências, conteúdos e links legais pra gente aprofundar a conversa.
um livro: ‘hábitos atômicos’*, james clear. se você ainda não leu esse livro imploro para que você o faça. james é rei quando o assunto é criação de hábitos e eu sinto que ele fala não só sobre rotinas, mas também sobre propósito. fora que ele joga umas verdades na cara que doem, mas são bem importantes.
um vídeo: ‘rethinking routine ♻️ the psychology of daily routine’ (em inglês). eu amo os questionamentos que a sha'an faz nesse vídeo e o viés de psicologia que ela traz pra gente repensar o que faz no dia a dia, além de toda a conexão com criatividade e trabalho criativo.
mais um livro: ‘o milagre da manhã’*, hal elrod. CALMA. eu juro que faz sentido. esse livro fez uma diferença danada na minha vida porque além do hal ser o cara mais otimista do mundo (o que é surpreendente, considerando a história de vida desse cara), ele te dá uma receitinha com hábitos que você pode fazer na quantidade de tempo que quiser. se você quer alguém te dizendo o que fazer, pronto, taí.
uma newsletter: ‘…living life off the (instagram) grid’ (em inglês). se você quer o relato de mais alguém que tá tentando construir uma rotina da manhã totalmente offline, esse texto pode ajudar!
*links de afiliados.
esse mês, na newsletter mar aberto
atenção, navegantes! bora de agenda com os temas do mês?
10/04: editoria ‘caneta nervosa’ → um guia pra registrar a sua vida no papel (+ um presente!).
17/04: editoria ‘manual da criadora’ → o que as minhas leituras recentes me ensinaram sobre a vida.
24/04: editoria ‘produtiva, sim. perfeita, não’ → cinco coisas que aprendi vivendo manhãs 100% offline.
esse texto levou cinco semanas pra ficar pronto. comecei o experimento com a minha rotina do meio pro final de fevereiro e entre entrevistas, pesquisas, o primeiro rascunho e a publicação desse texto, passou mais de um mês. que loucura, né?
se você gostou e quer apoiar o meu trabalho, te convido a fazer parte da comunidade navegantes! assinantes mensais, anuais e fundadores da newsletter têm direito a todos os textos do mês + presentes extras + conversinhas exclusivas no chat + o que der na minha telha. é só clicar no botão!
é isso por hoje.
se cuida e fica bem,
Fiquei muito feliz em contribuir com a newsletter, que já acompanho há tempos!
Segue sendo um grande desafio aprender uma forma de se relacionar com as telas. Se relacionar, porque elas fazem parte da nossa vida. Mas não podemos esquecer a vida para além delas.
Não a toa as pessoas chegam na clínica dizendo dessa "nostalgia", uma saudade de quando a vida acontecia em maior parte fora das redes.
E esse tempo não foi há tanto tempo, embora muitos de nós tenhamos a sensação de que nunca vivemos outro tempo sem telas. Isso significa que ainda estamos entendendo os efeitos desse contato e como essa relação pode se dar de uma maneira melhor.
Que possamos encontrar estratégias que funcionem pra nós!
E isso também é um gesto criativo.
Criar uma rotina que funcione pra gente. Que garanta esses espaços que não acontecem por conta própria, já que tudo à nossa volta parece convocar a uma hiperconexão.
Oi Maki! Sou nova por aqui, amei tanto o seu conteúdo que assinei o plano anual para poder ler todos os posts. Me identifiquei muito pois estou passando por essa fase de tentar uma rotina com menos telas. E aí me veio uma dúvida. Não seria melhor fazer esse despejo no diário antes de dormir? Fiquei pensando que a cabeça fica mais cheia fim do dia...mas ao mesmo tempo acredito que seria mais fácil de descumprir pq a noite tenho muita preguiça..