porque o slow living virou o meu objetivo de vida
repita comigo: andar no seu ritmo não significa parar de andar
a memória que eu tenho de 2019 é sensorial.
coração acelerado, respiração curta, insônia… meu corpo guarda as lembranças melhor do que a minha mente.
eu tava sempre com pressa. na época, ainda trabalhava como freelancer e tinha mais clientes do que dava conta de cuidar.
lembro claramente de começar a trabalhar 8 e pouco da manhã e terminar o dia só depois das 23h. eu tinha aulas de um curso que fazia umas duas vezes na semana, fazia academia três vezes, pela manhã, e lembro de encaixar trabalho em todos os momentos possíveis.
não me orgulho disso, mas lembro também de pensar com frequência como sair de casa pra encontrar as pessoas era perda de tempo. a gente precisava de um programa certinho pra valer a pena, na minha cabeça. ir pra casa de alguém ‘só ficar por lá’ não fazia sentido, eu tinha muita coisa pra fazer.
tirava pausas do trabalho com mais trabalho, tava sempre pensando num projeto novo, trabalhava de domingo a domingo e achava que tava tudo bem. e, até então, tava mesmo.
a gente se acostuma com cada coisa, sabe…
mas como tudo na vida, sempre há um ponto de virada. o meu veio quase três anos depois. passada uma pandemia, e duas mudanças de casa, eu tava morando 100% sozinha pela primeira vez e tentando - sem sucesso - equilibrar uma jornada de trabalho absurda com faxina da casa, comida pra semana, um cachorro…
lembro bem do dia que tive um ataque de pânico (não é um exagero) porque não teria tempo pra limpar a área de serviço aquele dia e corri pra minha terapeuta pedir ajuda. “você vai ter que pegar leve”, ela me disse, “senão, vai ficar doente”.
eu realmente não queria ficar doente, então, decidi que ia dar atenção pro que ela dizia. fiz um trato comigo mesma: dali em diante eu faria o mínimo necessário durante o dia e contrataria ajuda pra cuidar da casa.
o meu acordo comigo era simples: eu faria pausas pro almoço e pro lanche da tarde durante o dia, começaria a trabalhar só às 09h da manhã e terminaria impreterivelmente às 18h. sem discussões nem “só mais cinco minutinhos”. se necessário, eu trabalharia no máximo três horas no final de semana e só.
fiquei mais de um mês nesse esquema até sentir que tinha me reorganizado e ajustado a rotina o suficiente pra retomar um ritmo um pouco mais firme de trabalho. minha mudança pro canadá tava chegando, e eu sabia que a bagunça viria mais uma vez, mas um pratinho que eu não podia deixar cair era o financeiro. então, o fôlego extra seria necessário.
ainda assim, nunca voltei ao ritmo de trabalho de antes, apesar de ter passado por uma experiência semelhante meses depois, já em montréal, por outros motivos.
sinto que, de lá pra cá, reestruturar a minha vida pra viver no meu ritmo virou quase um mantra. não tão consciente antes de 2025, extremamente consciente desde janeiro. aprender a seguir e viver de uma forma sustentável se mostrou a melhor decisão que eu já tomei por mim e, apesar de ainda lidar com as dificuldades típicas da inércia (ou seja, de sair do confortável quando necessário), me sinto mais saudável hoje do que jamais fui e falo de boca cheia que tenho limites bem estabelecidos quando o assunto é trabalho.
foi um caminho longo.
correr pra quê, hein?
já me fiz essa pergunta muitas vezes, e em muitos textos também, e já explorei bastante os meus encontros com o burnout nesse post. sinto que ali, em agosto do ano passado, eu comecei a levar mais a sério tudo o que eu tinha aprendido até então sobre slow living, o movimento ‘vida lenta’.
acho que principalmente desde que as ferramentas de AI começaram a dar as caras, eu fiquei me perguntando porque diabos a gente corria tanto. já ouvi muitas respostas pra essa pergunta: “é o que o sistema me pede”, “eu tenho que correr pra dar conta da concorrência”, “eu não posso ficar pra trás…”. e diante do nosso contexto, faz sentido. a gente tem que sobreviver, afinal de contas.
ao mesmo tempo… percebi ser impossível a gente acompanhar a velocidade do mundo. só não vai dar, gente. são muitas mudanças que acontecem rápido demais. e, de fato, a gente tem que se adaptar, mas dificilmente vai conseguir andar no mesmo passo que a tecnologia, por exemplo.
ela não foi feita pra isso, entende? nem é o objetivo do sistema que a gente vive.
e acho que foi aí que entendi que já que não ia conseguir correr na mesma velocidade que o resto do mundo, o melhor que posso fazer é andar no meu ritmo mesmo.
mas andar no seu ritmo não é parar de andar. é ressignificar a velocidade com que você faz as coisas e onde você quer depositar a sua energia. encontrar prioridades que fazem sentido pra você e encontrar um mínimo de paz e satisfação e alegria numa realidade que oferece tudo, menos isso.
me sinto perdida e sem um propósito claro há muito tempo. tava semana passada mesmo falando pra uma amiga que eu não sei o que quero fazer, sobre o que quero escrever, e que o bloqueio criativo pelo qual passei na semana passada ia muito além da tpm que eu tava experienciando.
ao mesmo tempo, percebi que ‘estar perdida’ é um resultado da minha falta de priorização, um movimento comum meu de tentar fazer tudo ao mesmo tempo, e seguir num ritmo que não é o meu.
quanto mais tento praticar o slow living, mais percebo que vivo mais e não menos. parece que diminuir o ritmo significa deixar de fazer coisas que você quer, porém, é apenas um compromisso com a priorização daquilo que faz sentido.
você nunca vai conseguir fazer tudo.
nunca mesmo.
(e vou citar, mais uma vez, ‘quatro mil semanas’, do oliver burkeman, caso você ainda pense o contrário.)
encarar de frente a própria mortalidade e que o nosso tempo é limitado é libertador e apavorante. porque, no fim das contas, a responsabilidade por viver bem tá nas suas mãos. e, sim, eu sei que falo isso de um lugar de alto privilégio. e que ‘viver bem’ depende de muita coisa, não só do desejo individual.
mas acredito que, se você está lendo esse post, é porque de alguma forma, em algum grau, tem a possibilidade de fazer escolhas mais alinhadas com o que você quer, mesmo que sejam mínimas, muito pequenas mesmo, do tipo, ‘vou colocar uma música que amo muito e que me deixa feliz enquanto tomo um banho quente’.
nesse nível mesmo.
porque outra coisa que entendi: felicidade, assim como criatividade, não é um talento, um privilégio ou um recurso limitado, mas um músculo que a gente precisa exercitar todos os dias. não é o resultado apenas dos grandes momentos de alegria e euforia, muito menos a resposta pras conquistas materiais.
tudo isso pode colaborar pra nossa felicidade, é claro. jamais vou descreditar a alegria que deve ser morar numa casa que é tua, não depender de aluguel, ter dinheiro o suficiente na conta pra respirar aliviado todos os dias.
mas vejo que é nos pequenos momentos que reconheço a minha alegria e lembro que eu tô viva, que sou humana e que posso, sim, ser feliz.
práticas de slow living pra todos os dias
falar sobre isso de uma perspectiva lúdica e filosófica (?) é bem fácil. praticar é infinitamente mais difícil, e eu tenho lutado diariamente contra o que aprendi sobre a vida. o meu desejo de correr pra lugar nenhum ainda vence mais do que a vontade de admirar as flores. e, via de regra, o medo de não conseguir sobreviver (por mais absurdo que seja) constantemente fala mais alto do que a confiança de que tô no caminho certo.
mas celebro os meus pequenos passos e crio hábitos e rituais que têm me ajudado a sair do automático e reavaliar o meu cotidiano sob uma ótica mais gentil e feliz. são eles:
1.rotina da manhã offline. já falei muito sobre isso aqui e acho que não preciso me estender no assunto. mas passar as primeiras horas da manhã longe do barulho da internet é o que me faz levantar às 5am sem pensar duas vezes.
2.uma coisa de cada vez. lavar a louça ou cozinhar em silêncio. ler um livro sem lofi tocando no fundo. passear com o meu cachorro sem ouvir música ao mesmo tempo. sabe? eu me acostumei demais a ter muitos estímulos ocupando a minha mente e tá sendo um trabalho e tanto tirar esses vícios do meu dia.
3.manter o celular afastado. enquanto trabalho, ele fica no closet ou na bancada da cozinha. se tô vendo tv, jogando videogame ou lendo, também. raramente deixo por perto porque a tela piscando por qualquer motivo tira muito a minha concentração - e a tentação pra ver uma notificação e me perder no limbo do instagram é grande demais. falando nisso…
4.deletar redes sociais nos finais de semana. estou criando o hábito de deletar os aplicativos do meu celular no final de semana e baixar de novo na segunda, se necessário. é chato? é, mas percebo a diferença que faz quando me pego de novo e de novo procurando motivo pra scrollar.
5.passar mais tempo com as pessoas queridas. tem algumas semanas que eu tenho conscientemente buscando mais as minhas amizades pra fazer de tudo - de rolê programado com antecedência a só bater papo em casa sem qualquer programação prévia. ainda acredito que poucas coisas curam mais do que ter as suas pessoas favoritas por perto.
6.notar as pequenas naturezas cotidianas. nas minhas caminhadas com o michael, ou quando tô indo de um lugar pro outro, tenho experimentando observar o que encontro de natureza por aí. uma mudinha crescendo no meio do asfalto. uma árvore que tá florescendo. o céu e as nuvens. uma árvore ou um canteiro florido. qualquer coisa vale e tudo me ajuda a estar mais presente.
7.prestar mais atenção em mim. no que eu tô vestindo, sentindo, pensando. no que o meu corpo precisa, em como tá o meu humor, em como as tarefas cotidianas me fazem sentir.
vale o lembrete: eu não sou perfeita. e muitas vezes, vários desses pontos passam batido. ando com o michael com pressa, como enquanto leio e leio enquanto como, vejo tv com o celular do lado… mas é a tentativa que conta e é na tentativa que o que era padrão agora vira uma exceção.
hoje, se coloco uma playlist que gosto pra fazer faxina ou se escolho um vídeo no youtube que eu queria muito ver pra deixar rolando enquanto cozinho, não é um padrão, mas um evento especial. as coisas ganham outro significado e eu faço isso com mais consciência.
e, nisso, eu ando mais devagar. porém, vivo muito mais também.
me conta como você pode praticar isso também?
baú de referências
referências, conteúdos e links legais pra gente aprofundar a conversa.
uma newsletter: “the art of pretending like your life is a cozy game” (em inglês). eu amo esse texto porque a autora conecta atividades que são, literalmente, de jogos de videogame com outras da vida real. é uma maneira de mudar a perspectiva e criativamente buscar outras formas de conforto.
um vídeo: “you don’t have to suffer for success” (em inglês). sou apaixonada pelo conteúdo da Ash (ela tem uma newsletter aqui no substack também) e esse vídeo é um dos meus favoritos do canal dela no youtube.
um livro: “parte do seu mundo”*, abby jiminez. li esse romance da abby tem pouquíssimo tempo e esse texto, de certa forma, me lembrou um pouco o que acontece com a protagonista, Alexis. não vou dar spoilers, mas gostei demais da forma como a autora trabalhou o crescimento da personagem e as escolhas que a levou, meio que inevitavelmente, pra uma vida mais lenta.
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esse mês, na newsletter mar aberto
atenção, navegantes! bora de agenda com os temas do mês?
15/05: editoria ‘caneta nervosa’ → como escrever me ajudou a lidar com a perda
22/05: editoria ‘manual da criadora’ → redescobrindo o que me inspira a ser criativa.
29/05: editoria ‘produtiva, sim. perfeita, não’ → aprendendo a viver com as estações.
esse texto levou oito dias para ficar pronto. ele não era a minha ideia inicial para o primeiro texto de maio, mas a vida tinha os seus próprios planos e eu precisei recalcular a rota. calhou que olhar para os meus pequenos momentos de lerdeza era tudo o que eu precisava essa semana.
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é isso por hoje.
se cuida e fica bem,
Eu AMO ler "esse texto levou x dias para ficar pronto"! Torna o texto tão mais real e humano, precioso em era de IA ♡