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o relógio bate 19h e eu tomo um susto.
onde foi parar o dia?
conceito estranho, o tempo. de uma hora pra outra (risos) ele parece andar num ritmo diferente, e a Rotina do Trabalhador engole os momentos que, décadas antes, se arrastavam enquanto a gente brincava de balanço no parquinho da escola.
considero as minhas possibilidades. a essa hora, o trem do ‘acabou o dia’ me atropela sem dó, e o desejo maior é sentar no sofá com o meu livro e lá ficar até a hora de dormir.
por outro lado…
tem um livro a ser escrito, sabe. histórias que martelam a minha cabeça pedindo pra sair do isolamento da minha mente.
meus personagens cantam como sereias, clamando pelo-amor-de-deus pra que eu continue traçando seus passos com as minhas palavras.
respiro fundo.
são 19h15 e a contemplação tomou tempo demais. faço um jantar rápido, me prometo meia hora pra comer em paz e ‘depois eu volto pro computador’.
vou até onde dá. não é muito longe, mas é o suficiente por hoje.
risco com satisfação a tarefa ‘escrever 1300 palavras da história’ no meu bullet journal. eu não cheguei nem perto dessa marca, mas ainda assim considero a tarefa cumprida.
não é sempre que a motivação ganha do cansaço.
prefiro comemorar as pequenas vitórias a me afogar no oceano do ‘eu nunca faço o suficiente’.
tempo perdido, tempo encontrado
‘eu não tenho tempo’ é uma das frases que eu mais ouço. não só em relação à escrita, mas à vida, no geral. a gente corre sem saber pra onde tá indo e às vezes sem nem entender o que significa ‘correr’.
mas tenho a impressão que antes de falar sobre ‘fazer tempo’ pra qualquer coisa, é preciso falar de um recurso ainda mais importante: a atenção.
porque o tempo, como diz o senso comum, é relativo. não, não temos as mesmas 24 horas que Taylor Swift, porque precisamos nos lembrar das camadas de privilégio que rondam, inclusive, a gestão do tempo.
a mãe solo de duas crianças pequenas não tem o mesmo tempo que a mulher solteira e sem filhos, que não tem o mesmo tempo que a mulher casada que optou por não trabalhar.
é por isso que eu prefiro falar sobre a gestão da atenção como uma forma mais efetiva de gerenciamento de tempo. em ‘Quatro Mil Semanas’, Oliver Burkeman fala sobre a morte como um catalisador pra maneira como lidamos com a vida e, principalmente, com o quê dedicamos a nossa energia e atenção.
pra ele, desapegar da ideia das inúmeras possibilidades e concentrar os nossos recursos mais valiosos (energia e atenção) naquilo que tem algum significado pra gente é o que faz toda a diferença na maneira como lidamos com o tempo.
aqui, acho que vale um contexto maior. hoje, vivemos na chamada ‘economia da atenção’, um conceito desenvolvido na década de 1970 (!), e que tratava de uma dificuldade do marketing e da publicidade que ainda engatinhava, em comparação com hoje: as constantes distrações que roubavam a atenção do consumidor.
corta a cena pros anos 2010-2020, quando as redes sociais entram no auge da utilização e a gente entende uma verdade bastante dura (e difícil) de encarar: se você não sabe qual é o produto ou serviço que uma empresa vende, é bem provável que você seja esse serviço ou produto vendido.
e, de fato, somos. porque o objetivo dessas plataformas é nos manter lá dentro cada vez mais. não é à toa que giram rumores por todos os lados de como links que levam o usuário pra fora do LinkedIn ou do Instagram, por exemplo, acabam tendo um alcance menor quando publicados por lá.
os criadores dessas redes querem que você se mantenha viciada, rolando o feed, porque a sua atenção é o que gera o lucro deles - é aí que entra a publicidade e até a venda dos seus dados.
teorias da conspiração e mecanismos econômicos de lado, a gente perdeu o controle da nossa própria atenção. e essa falta de controle gera perda de tempo, já que perdemos também a nossa capacidade de foco e até de autocontrole diante desses estímulos e dispositivos.
tudo isso pra dizer: a gente gasta tempo demais com coisas que não importam e que a gente não vai lembrar amanhã.
ouvindo esse episódio do ‘gostosas também choram’, podcast da Lela Brandão (já deu pra perceber que tô obcecada?), percebi que essa não é uma queixa só minha, mas de uma geração que, pelo menos em parte, têm se conscientizado sobre o tamanho do desperdício de energia que essa roda gera.
a verdade é que cada realidade é uma realidade, e às vezes só uma hora de doomscrolling consegue fazer a gente esquecer o cansaço de viver num mundo em rápido declínio. porém, outra verdade difícil de ouvir é:
o seu tempo mora onde a sua atenção está.
antes de pensar em ‘encontrar tempo’, talvez você deva entender no quê você tem dedicado a sua atenção pra, daí, sim, questionar se vale substituir esse gasto energético com algo que tem mais valor pra você.
e por falar em valor
talvez você esperasse que esse post fosse uma lista de dicas do que fazer, mas já adianto que esse não é, nem nunca será, o objetivo dessa newsletter. a gente precisa ter conversas difíceis, se olhar no espelho e questionar as próprias decisões, se munir de conhecimento pra daí escolher fazer diferente.
não significa que não vamos explorar algumas ideias daqui a pouco, mas um passo primordial, que não pode deixar de fazer parte desse processo é se questionar, em alto em bom som:
escrever é mesmo importante pra mim? e, caso a resposta seja sim, por quê?
se queixar da falta de tempo pra escrever é fácil quando você nem sabe dizer se aquilo, de fato, tem algum valor pra você. ou se é algo que você realmente quer.
já falei outras vezes sobre a importância de um objetivo, uma meta, um norte, pra todo e qualquer trabalho criativo ou novo hábito que você queira adotar. e, sim, eu falho com frequência em estabelecer e seguir esses objetivos, mas a escrita, pra mim, é algo tão valoroso e valioso que eu não preciso de muito pra ser convencida a colocar algumas palavras no papel.
talvez seja uma visão ultra generalista e simplista das coisas, mas sinto que a gente (eu) se vende (me vendo) fácil de mais pra coisas sem importância. e dá um nome bonito como ‘conexão’, ‘descanso’, ou, pior, ‘se manter informada’ pra hábitos e vícios que não cumprem nenhuma dessas funções.
saber o seu porquê e mantê-lo por perto (num post-it, um lembrete no celular, um mantra) com certeza é um passo muito importante pra garantir o sucesso no redirecionamento da sua atenção pra uma atividade que você quer cumprir com gosto (e porque gosta!).
(detalhe: agora mesmo fui até o navegador abrir o Instagram, e tive que respirar fundo e falar pra mim mesma “agora não”.)
se tá difícil pensar na sua motivação, vale fazer o clássico exercício dos 5 porquês. comece se perguntando: “por que eu quero escrever?” e siga perguntando “por quê?” sobre cada resposta. isso ajuda a chegar numa camada mais profunda do valor que isso tem pra você.
e pode acontecer de você perceber que isso não tem valor algum.
nesse caso, só desiste e segue o baile. tá tudo bem.
observação como catalisador da escrita
ok, você percebeu no que dedica a sua atenção e descobriu porque você quer escrever. e agora? de novo, nada de soluções e fórmulas rápidas por aqui. o próximo passo é observar a sua rotina.
de posse do seu conhecimento sobre atenção, você pode observar o seu comportamento e os seus dias pra entender qual o melhor horário pra encaixar sessões de escrita. se você percebe que passa uma hora nas redes sociais depois do jantar, talvez esse seja um bom momento pra trocar a atividade ‘scrollar’ por ‘escrever’.
se você só tem paz e silêncio de manhã cedo, será que dá pra colocar uma sessão de alguns minutos de escrita nesse período? em que momentos do seu dia seria melhor redirecionar a sua atenção praquilo que você quer escrever?
se você funciona como eu e é obcecada por rotinas certinhas e horários determinados pra cada coisa, talvez se beneficie de métodos como esse (vídeo em inglês), em que você usa um calendário pra encaixar a escrita nos horários que funciona pra você (eu faço o meu no bullet journal, à mão).
a partir daí, é uma questão de disciplina.
não é todo mundo que vai conseguir escrever todos os dias, no mesmo horário, por X tempo. talvez você seja igual a mim, que escrevo em dias alternados ou de fim de semana. que às vezes escrevo no diário todos os dias, outras uma vez por mês. que prefere escrever de manhã, mas se vê sempre escrevendo de noite porque o trabalho não permite que seja de outro jeito.
mesmo em casos de inconsistência, o valor ainda é altíssimo, mas a flexibilidade pra lidar com a vida e o que ela pede a cada momento é muito importante. falando de mim, faço questão de tentar escrever as minhas histórias pelo menos uma hora toda semana, além de manter a consistência na minha criação de conteúdo. isso, pra mim, é escrita, e eu faço o que posso pra colocar a minha atenção nesse lugar com o carinho que ela merece.
se for pra resumir esse processo, eu diria que seria um passo a passo nesse formato:
questione em quê você deposita a sua atenção.
encontre a sua motivação para escrever.
observe a sua rotina para encontrar o melhor momento para encaixar blocos de escrita.
pratique a disciplina e torne a escrita um hábito.
pra complementar esse último ponto, vale lembrar que, em ‘Hábitos Atômicos’, James Clear fala da importância de dificultar hábitos destrutivos pra tornar essa substituição mais fácil. então, se você se perde no celular quando queria estar escrevendo, faça como eu e esconda o seu aparelho no armário.
parece bobagem, mas às vezes a gente tem que se tratar como criança birrenta de castigo.
um adendo sobre romantização da escrita
quando ainda usava o TikTok, fui impactada por vários vídeos da autora de ‘Rainha Vermelha’, Victoria Aveyard. apesar de nunca ter terminado a trilogia, eu passei a admirá-la bastante como profissional por conta do seu posicionamento na rede.
em um dos seus muitos vídeos, ela falava sobre um ponto importante e que sinto que cabe aqui: a romantização da pessoa que ‘largou tudo’ pra escrever. a gente vê histórias como essa o tempo inteiro, e em mercados como o norte-americano, em que a cultura do empreendedorismo é muito forte, ela aparenta incrível e sempre bem-sucedida.
não é verdade.
o que é pouco falado é como, muitas vezes, essas pessoas têm um suporte financeiro que garante um mínimo de segurança (e dignidade) pra que esse passo seja tomado. seja uma boa reserva de emergência, um parceiro(a) que trabalha e topa bancar os gastos da casa, uma família que vai ajudar a segurar a barra… ou seja, uma rede de apoio, principalmente financeira, que possibilita o ‘largar tudo’.
por isso, não, largar tudo pra escrever o seu livro não é necessariamente a solução pra sua falta de tempo. (ou pra garantir que você escreva.)
tem outra coisa também. quem busca escrever de forma profissional (como publicar livros) deve entender que escrever é uma carreira que exige investimentos (sim, de dinheiro) tal qual qualquer outra. cursos a editores, leitores críticos e/ou sensíveis, eventos de networking… tudo isso faz parte da carreira de escritor.
nem tudo é só lucro.
a gente não curte ler essas coisas, mas eu sinto que é necessário pra que as pessoas que querem escrever entendam que a escrita exige dedicação, o que não significa que ela precisa ser um fardo.
de posse do seu porquê, do seu objetivo, e consciente do tempo que você pode dedicar pra isso, tenha certeza que você já tem muito sucesso.
vou confessar uma coisa: tem crescido na minha mente a ideia de voltar a fazer encontros de escrita. sabe? a gente abra uma salinha, coloca um timer e uma musiquinha de fundo e faz algumas sessões de escrita juntos. depois, bate-papo sobre dificuldades e vitórias.
quem sabe.
é isso por hoje.
se cuida e fica bem,
Eu topo a ideia do clubinho de escrita, especialmente se for exatamente isso: se juntar, escrever por x minutos, compartilhar um pouco de como foi o processo. Eu escrevo aqui no Substack por gosto mesmo, pq queria encontrar um lugar para compartilhar com algumas pessoas quem eu sou e o quê eu penso. Eu tenho uma frequência mais ou menos quinzenal (e tenho postado poemas que estavam guardados na "gaveta" no meio tempo) e tem sido bom. Seria legal até pra fazer alguns rascunhos para minha Newsletter ter um clubinho dos substackers haha.
Obrigado pelo texto!
Fica bem você também.