gritando no escuro até encontrar a luz
reflexões meio inconsistentes sobre encontrar a nossa voz criativa
o cursor pisca-pisca-pisca no documento em branco.
é uma caixa do notes, do threads, um post novo do substack, uma página no docs.
escrevo algumas palavras, as primeiras que vem na mente.
apago logo em seguida. tá errado.
começo de novo. a mesma ideia, explicada de outra forma.
apago mais uma vez. ainda tá errado.
tento de novo e começo uma dança já conhecida.
escreve, apaga, escreve escreve, apaga, pisca-pisca-pisca.
a caixinha pixelada segue em branco.
‘não é possível que eu não tenha nada pra dizer’, penso com os meus botões enquanto observo bolas de feno cruzarem os campos ressecados e abandonados do meu consciente.
‘ninguém se importa com isso’, digo em voz alta enquanto apago a terceira (quarta? quinta? décima?) tentativa de escrever alguma coisa.
é oficial: as linhas entre a maki-criadora-de-conteúdo e a maki-pessoa-física estão borradas demais.
‘bom, você não tá errada… mas também não tá certa’, riem os meus divertidamente numa reencenação cafona de toda cena de filme adolescente em que as garotas populares fazem pouco caso da menina-que-ama-livros.
e é verdade, viu. eu num tô errada, mas também não tô certa. bufo exasperada e observo, pela milionésima vez, os meus dedos silenciosos no teclado. se não tenho o que dizer, a solução é simples: ficar calada.
agora se eu não acho que o que tenho a dizer é particularmente importante ou interessante… aí já são outros 500.
haja terapia.
observo as pessoas andando na rua lá embaixo, pela janela. e fico impressionada e assustada ao perceber que não passa um pensamento na minha cabeça. seria iluminação espiritual se não fosse bloqueio, porque a gente bem sabe o quanto a mente ansiosa é barulhenta.
respiro fundo uma, duas, três vezes (quatro? cinco? dez?). tento encontrar a parte de mim que quer viver a experiência humana completa e aprender a compartilhar a vida com as pessoas seja pela internet ou não.
me sinto triste ao perceber que ela se ausentou da aula de hoje.
não tem o que dizer? não fale.
pesquisando pra escrever esse texto, encontrei um dado chocante. segundo o Fórum Econômico Mundial, em um dia na terra produzimos 500 milhões de tuítes, 294 bilhões de emails, 65 bilhões de mensagens no WhatsApp e 720,000 horas de conteúdo publicado no YouTube.
eu vou dar um segundinho pra você digerir essa informação.
pronto? pois é.
quando vejo esses números, a minha cabeça maluca entra em parafuso e a primeira coisa que penso é ‘PELO AMOR DE DEUS, GENTE, VAMOS FICAR EM SILÊNCIO UM MINUTINHO’. talvez seja o meu lado hiper introvertido tomando conta, mas é inconcebível pra mim que a gente tenha a capacidade de consumir tudo isso diariamente.
(resposta: num dá mesmo. tem muitos estudos explicando como a quantidade de informação que a gente consome limita a nossa memória e interfere na saúde do nosso cérebro.)
a questão é a paralisia que isso gera. de um jeito é como se a gente se sentisse obrigada a falar alguma coisa - na terra da internet, não há pedra não revirada, todo mundo comenta tudo o tempo inteiro, mesmo sem saber patavinas do que tá sendo falado. o decoro e a educação, aliás, são meras sugestões que podem ou não ser utilizadas nas interações sociais.
nisso, meu lado jornalista fala mais alto, porque se há algo a dizer, que seja minimamente embasado em alguma coisa. e se eu não tenho nada de útil ou bom pra falar, é melhor eu ficar quieta.
tenho bastante prática com o silêncio, sabe.
outro ponto: se não há nada gentil, positivo ou que acrescenta a ser dito, é igualmente melhor se manter calado.
afinal, o mundo já tem violência e negatividade demais, né?
é o que eu acho.
trabalhar com informação dá nisso, eu penso. as palavras ganham um peso grande demais pra serem usadas levianamente. “a caneta é mais poderosa do que a espada”, diz Edward Bulwer-Lytton.
e eu acho que é mesmo.
a gente só esqueceu desse fato.
não vê valor no que diz? olhe no espelho.
entra aí outro ponto: a questão do valor.
tenho pensado muito sobre o valor das coisas. e percebo o quanto eu mesma não vejo valor nas minhas palavras, o que se estende à minha opinião das coisas, que se estende ao que penso de mim.
pelos meus olhos, não tenho valor algum.
palavras difíceis de escrever, porém, mais clínicas e analíticas do que emocionais a essa altura do campeonato. sentir-se roubada da própria voz causa muitas consequências na vida de uma pessoa, e uma das principais, acredito eu, é justamente a incapacidade de ver valor em si.
tive uma conversa há alguns dias com um sujeito curioso. fiquei meio absurdada com a forma como ele falava de si. dava pra ver o quanto ele refletia antes de fazer qualquer afirmação sobre quem ele era, o que fazia e o que pensava dele mesmo.
a conversa é, também, um borrão na minha memória, sobreposta por vozes altas demais e muita gente num ambiente pequeno, mas lembro de entender que ele tinha uma compreensão superior do papel que as palavras tinham na maneira como ele se via ao olhar no espelho.
o seu valor era medido pelo discurso que ele repetia mentalmente todos os dias, de forma consciente ou não.
isso me fez refletir sobre o meu desejo de continuar escondida e sussurrar em salas lotadas, usando uma voz falsa, uma personagem de mim, pra repetir opiniões alheias e ideias que outros tiveram numa tentativa falha de me sentir, de fato, pertencente.
meu deus, minha mente me cansa.
é que eu de verdade me toquei disso outro dia. como passei boa parte do tempo repetindo opiniões que não necessariamente são minhas, mas funcionam como uma ferramenta de pertencimento. compartilhar uma mesma opinião sobre alguma coisa parece gerar uma conexão com o outro, já reparou?
o melhor exemplo é a reclamação.
reclame sobre algo com alguém e, pronto, vocês serão melhores amigas pelo tempo em que estão ali, reclamando. e uma reclamação leva a outra, que leva a outra que leva a “ah, mas a vida é assim, né?” e a um balançar de cabeça indicativo de “é, sim, cê tem razão”.
mas eu divago.
uma das mensagens que eu mais recebo no Instagram é “todo mundo já fala sobre isso, por que eu vou falar também?”. por mais que eu concorde que, pelo amor de Dadá, já tem conteúdo demais no universo, eu penso que existe uma unicidade que só você pode entregar.
e isso é valioso demais.
as histórias, os repertórios, as vidas e as experiências não são generalizadas, entende? a experiência que tenho comendo um brigadeiro jamais vai ser a mesma de alguém que nunca nem viu esse doce na vida, que não vai ser a mesma de alguém que nasceu na mesma cidade, bairro e ano que eu.
sempre tem um ponto de vista único.
e o valor tá nisso. não nas experiências em si, mas na maneira única como você pode comunicar uma informação (talvez) já conhecida, de forma que isso gera uma identificação i-me-di-a-ta com um público que só vai entender tal informação porque você explicou.
entende?
o ser humano é curioso é capta as coisas, de verdade, quando os astros alinham (ou seja, quando quer), e a gente nunca sabe quando isso vai acontecer.
tudo pra trazer, mais uma vez, uma pergunta que já apareceu em algum lugar dessa newsletter:
quem é você pra ditar o valor que a sua
escritavoz tem?
a sua visão de você, infelizmente, é mentirosa, mesquinha e em-si-mesmada. olhar no espelho e reconhecer a distorção da imagem talvez seja o primeiro passo pra criatividade que, efetivamente, cria e não repete o que todo mundo tá falando do mesmo jeito sempre.
um caso de conexão
lendo esse (maravilhoso) texto do Ted Goia (em inglês) parei pra pensar como a conexão offline talvez seja a melhor solução pro problema que tô abordando aqui.
começa com a prática do valor próprio. descobri há pouco tempo que concentrar os meus esforços em buscar saber como e o que eu quero falar gerou textos muito melhores do que quebrar a cabeça buscando entender como adaptar a linguagem e opiniões alheias ao meu processo criativo.
escreve primeiro pra você, depois pros outros.
porque ‘você’ e ‘os outros’ são muito mais parecidos do que você imagina. e o que vai conectar os dois é a emoção, o sentimento, a mensagem por trás do texto, independente do assunto.
foi assim que eu comecei a desenvolver a minha voz, dentro e fora da internet. foi respirando fundo e cavucando na minha mente o que eu penso, o que eu acredito, como eu falaria e escreveria e explicaria o assunto XYZ.
nem sempre sai perfeito, já falei (e escrevi) bobagens mais de uma vez, o que me leva ao segundo passo:
aprender com os escorregões.
prefiro usar ‘escorregões’ e não ‘erros’ porque ‘erro’ automaticamente faz a gente pensar em culpa. e se a gente tá falando de aprendizado, de desenvolvimento da própria voz, não há culpa, só trampolins pro lugar onde a gente quer chegar.
olhar pra trás e entender que ‘essa expressão não me serve’, ‘essa opinião não me representa de verdade’, ‘falei um negócio que eu não acredito, mas agora eu sei melhor’ é sempre positivo.
mas, claro, a gente assume caso os nossos escorregões gerem desconfortos. inclusive na gente mesma.
por fim, mas não menos importante, volto pra algo que tenho falado bastante no último mês: a documentação da própria vida. talvez eu não tivesse tanta dificuldade assim em escrever se já tivesse rascunhado meia dúzia de pensamentos aleatórios que me chamaram a atenção ao longo dos dias.
a briga com o teclado é menos violenta quando eu já tenho um ponto de partida, sabe.
é como diz Austin Kleon (de novo e de novo): preste atenção no que você presta atenção. é daí que vem as nossas referências, experimentações, a nossa importância no contexto.
a sua voz importa. sempre importou.
e, de novo, a gente só esqueceu desse fato.
esse texto me deu dor de cabeça. mas tô orgulhosa de como ele saiu. de certa forma, acredito que me representa mais do que muita coisa que já escrevi por aí. e, se deus quiser, vou lembrar dessas palavras com certa vergonha alheia no futuro porque já não me representam mais e eu evoluí de novo.
amém.
posso te pedir uma coisa rapidinho? se você gostou desse texto, por favor, compartilha ele com alguém que você conhece, ou aqui mesmo, no substack. tenho certeza que muita gente precisa ler o que tá escrito aqui.
é isso por hoje.
se cuida e fica bem,