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é um daqueles dias.
tudo acontece como de costume, você acorda numa cama grande sozinha. passeia com o cachorro sozinha. vai na academia sozinha. faz o café da manhã sozinha.
na superfície, não tem nada errado - pelo menos, não que você saiba -, mas o clima nublado funciona como uma premonição do que você tá sentindo.
a tristeza faz morada no peito meio sem motivo, toma os seus sentidos logo cedo e acorrenta seus pés no lugar o dia inteiro.
você abre um aplicativo, depois o outro, depois o outro, na esperança de que acompanhar a vida alheia de alguma forma cubra o buraco criado pelos espaços vazios da sua vida.
sem sucesso.
o dia transcorre como de costume, mas nem mesmo as milhares de mensagens trocadas em diferentes janelas no computador diminui a vontade de chorar.
você olha em volta pro seu apartamento que, a trancos e barrancos, começa a ganhar a sua cara. mas ele segue vazio. e há limite pro número de vezes que você pode amassetar o seu cachorro antes que ele fique irritado e fuja das suas investidas.
“ingrato”, você pensa. “eu só queria te dar carinho.”
e taí aquela verdade não dita, né? você só queria dar carinho pra alguém. e talvez receber carinho de volta.
poxa vida, você só queria a porra de um abraço.
daqueles bem apertados, que tiram o fôlego.
uma prova de que você existe e não é um ser invisível vagando pelo mundo sem propósito.
você se questiona, perguntas sem cabimento que jamais deveriam habitar o seu consciente.
será que as pessoas gostam de mim?
será que eu sei o que é amor?
será que contar mais da minha vida pra um mundaréu de estranhos por meio de uma tela é o que eu preciso pra me sentir menos sozinha?
será que mais alguém se sente como eu?
você até gostaria de saber a resposta, mas tem medo de fazer a pergunta.
e, sinceramente, faltam forças pra falar mais alto que um sussurro.
ponto pra solidão
mesmo acompanhada, aquele frio na barriga bate de repente e você pensa ‘c*ralho, tô me sentindo sozinha’. ou, quando você mais precisa, percebe que não tem tanta gente assim pra pedir socorro. ‘se deixar, eu passo o dia inteiro sem falar com viv’alma!’, brinca você, que trabalha todo dia de casa.
há alguns anos, isso parecia ideal.
hoje, é sufocante. porque o medo se infiltra no organismo estilo água no meio das pedras (já diria Emicida), sem pedir licença, de uma hora da outra. estamos mais conectados do que nunca, mas, quem diria, isso não significa tanto quanto acharíamos que significaria.
um estudo de 2021, que já considerava os efeitos da pandemia, conta que quase metade da população mundial considera que não têm amigos verdadeiros e, como consequência, se sente sozinha e isolada.
“somos seres de desamparo”, diz
nesse episódio (maravilhoso) do podcast Bom Dia, Obvious, e eu me vejo inclinada a concordar. como seres humanos, mamíferos, somos os mais dependentes da cadeia alimentar. levamos muito tempo pra nos virarmos sozinhos no mundo, ao custo das interações sociais.precisamos uns dos outros, afinal de contas.
porém, não há rede social que faça a sensação de solidão sumir do mapa. pelo contrário, no auge do caos pandêmico, quando todo mundo fazia live o tempo inteiro e estávamos todos colados numa tela quase 24 horas por dia, o medo, a ansiedade e a sensação de solidão pareciam ter chegado no auge.
mas ninguém sabia como sair daquele ciclo.
agora, suspeito que as pessoas não saibam como também.
voltando à Ana Suy, dentre os muitos tópicos que ela aborda nesse episódio, o que mais me chamou a atenção tem relação com a maneira como nos relacionarmos uns com os outros. criamos ideias, diz ela, sobre quem o outro é, como se comporta, como vive, o que teme e como age, e usamos isso como base para interagir com essa sombra do nosso ideal.
quando a resposta do outro é diferente do imaginado, o encanto quebra e nos sentimos decepcionados. quantos livros não lemos em que a protagonista relata que o término aconteceu porque “você namorava uma ideia de mim que só existia na sua cabeça”? a ficção têm um fundo de verdade, afinal.
o que gera a solidão, eu entendi, é esse contato único com a nossa própria mente, que impede o alcance até o outro. a gente não se conecta porque não sai da imaginação que fez que de si e das pessoas ao nosso redor.
impossível não se sentir sozinha assim, né?
conectados, pero no mucho
coloque nesse mix uma rede social e a receita pro desastre está pronta. afinal, se na vida real a gente já faz essa idealização, imagina quando cada um posta só a versão mais bem editada de si pra todo mundo ver? e, mais do que isso, ainda consegue medir o carinho alheio com likes, comentários e seguidores.
“muito legal a sua vida, quero te acompanhar”, é o que dizem os números. “eu gosto de você”, é a sua mensagem subliminar.
será que gostam mesmo? ao primeiro sinal de polêmica, o cancelamento é promessa.
a enxurrada de informação, de pontos de vista, de dicas, hacks e fórmulas dão a distração que precisamos pra calar as vozes internas que pedem atenção. isso, porém, não faz com que elas de fato se calem, mas as estimulam a falar ainda mais alto, até que sejam ouvidas.
tenho buscado lidar com a minha gritaria mental ativamente. afinal, mesmo cercada de amigos queridos, pessoas que eu sei, racionalmente, que me amam e me apoiam (“né?!”, pergunta ela, buscando a validação que precisa) é impossível estarmos acompanhadas de alguém 24 horas do dia, sete dias por semana.
em algum momento, o estar sozinha vai fazer parte da minha (da sua, da nossa) realidade. porém, estar sozinha não significa estar solitária, e buscar curar essa diferença é o que me fez encarar o desconfortável mais uma vez.
tenho buscado fazer encontros comigo mesma (ou encontros com o artista, como diria Julia Cameron), numa tentativa de fazer as pazes com o medo que tenho de passar a vida sozinha. me levar pra passear é mais complicado do que parece quando você sente que será julgada só porque pediu uma mesa pra um num restaurante.
a vantagem da cultura canadense me parece um bônus, nessas horas. aqui, de fato ninguém se importa com o que você faz. você pode comprar o seu café matinal na cafeteria mais próxima de pijamas, ainda com a toca de seda no cabelo e ninguém vai ligar. (se eu já vi essa cena ao vivo? já, sim.)
não torna o ato menos intimidante, mas alivia o frio na barriga. e fazer o exercício mental de “não vou comer com pressa pra liberar a mesa pra mais gente” tem virado uma prática nesses encontros. explorar programas e outras atividades que eu gosto sozinha também tem me ajudado a lidar melhor com o viver só.
o mais curioso, é que esse exercício tem me afastado cada vez mais da internet, porque parece que estar presente nas redes sociais me faz voltar pra um lugar que eu não gosto e que grita ‘solidão’ - e parece contra-intuitivo, eu sei, mas comecei a querer passar mais tempo de qualidade na vida real, seja comigo mesma, seja com as pessoas ao meu redor.
compartilhei um pouco desse sentimento no notes, e essa resposta, eu sinto, exemplifica bem o que eu tenho pensado sobre o assunto:
quem diria, talvez a solução esteja sermos um pouco mais como Henry David Thoreau e passar mais tempo numa cabana isolada nas montanhas buscando uma conexão mais profunda com o mundo real do que “socializando” atrás de uma tela.
no fim, acho que “conectar” é a palavra de ordem, aqui, mas ela pouco tem a ver com a internet. é verdade que a gente pode criar relações profundas com as pessoas por esse meio e longe de mim ser avessa à tecnologia, mas vejo que a minha bolha da humanidade, altamente conectada e obcecada por redes sociais, perdeu um pouco a capacidade de olhar no olho do outro e buscar compreensão.
lembro do vídeo que vi um tempo atrás de alguém dizendo que queria a função velocidade x2 pra interações da vida real, porque as pessoas falam devagar demais e demoram pra chegar no ponto da conversa. e enquanto muita gente ria nos comentários, eu fiquei preocupada.
de fato, conectar é preciso, caso contrário, seremos eternos solitários.
“somos seres de desamparo”. essa frase não me sai da cabeça porque ela me soa real e triste demais. ao mesmo tempo, motivadora demais. são sentimentos mistos que me dão vontade de chorar, de um lado, e uma força hercúlea pra buscar o amparo que tanto preciso, seja em mim, seja naqueles ao meu redor, de outro.
dia desses, precisei de um abraço. e ao invés de engolir o choro ou arriscar uma mordida do meu cachorro na cara, pedi por um pra primeira amiga que encontrei.
e, veja só, que curioso, saí de lá me sentindo menos sozinha.
tenho mais perguntas que respostas quando o assunto é solidão (e tantos outros!), mas tenho buscado entender como posso tornar a minha vivência desamparada algo mais bonito. e daí, mesmo que chegue ao fim do caminho sozinha, quem sabe não parto com um sorriso no rosto e aquela sensação maravilhosa que diz, ‘ei, eu tentei e foi incrível’.
é isso por hoje.
se cuida e fica bem,