o que eu aprendi sobre escrita com Quarta Asa, de Rebecca Yarros
e o papel da leitura pra quem quer escrever
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falei sobre esse assunto no meu Instagram na semana passada, mas senti que talvez fosse uma boa ideia aprofundar um pouco mais essa conversa por aqui. acho que Quarta Asa, de Rebecca Yarros, foi um dos livros mais comentados do ano passado (pelo menos no TikTok) e eu mesma me vi absolutamente influenciada e obcecada com a história.
agora que o livro foi lançado no Brasil, tenho visto amigas e outras pessoas comentando de novo e novo sobre ele, e como o gênero “fantasia” tá se popularizando mais uma vez. apesar de ter muitas opiniões sobre isso, eu parei pra pensar como dá pra gente aprender bastante sobre escrita com os livros que entram nessas listas infinitas de best-sellers.
vamos de contexto?
antes de mais nada, eu acho super importante abordar dois pontos aqui:
eu não vou opinar sobre o livro hoje. já comentei sobre ele outras vezes, muito levada pelo hype (e tudo bem), mas hoje o assunto não é opinião, mas aprendizado.
é super importante a gente pesquisar o contexto do livro, do autor e da história pra fazer qualquer tipo de análise. a Rebecca Yarros já é uma autora envolvida em várias polêmicas (algumas bem complexas, envolvendo o genocídio do povo palestino), e é importante ter consciência disso antes da leitura.
com isso em mente, bora pra outro ponto interessante: é legal a gente considerar, antes de qualquer coisa, o que essa obra significa, mais ou menos como a Marcela Ceribelli fez brilhantemente ao falar sobre o filme ‘Barbie’ no podcast Bom Dia, Obvious.
Quarta Asa tá longe (bem longe) de ser uma obra atemporal que almeja virar um clássico da literatura. também não é, nem pode ser considerado um tipo de livro referência em termos de inclusão e diversidade, apensar de incluir esses elementos na narrativa. também não almeja ser muita coisa além de uma obra de entretenimento que prende a atenção do público.
agora, vamos lá: tá tudo bem com esse contexto, viu? não dá pra gente esperar que todo livro seja um Orgulho e Preconceito ou Memórias Póstumas de Brás Cubas. livros, assim como séries de televisão e filmes, podem ser só obras de entretenimento puro, com um nicho bem definido e o único objetivo de divertir o leitor.
pensa assim: ‘Quarta Asa’ pode ser pra literatura o que ‘Os Vingadores’ é pro cinema. entretenimento, diversão, nicho.
isso não um problema, não é ruim, não é bom. é um contexto. e a gente tem que pensar no contexto pra analisar qualquer coisa. no caso de Quarta Asa, eu diria que é um livro de romantasia (fantasia + romance) voltado majoritariamente para o público feminino que também gosta de (ou não se importa com) umas safadezas.
tô errada? não tô.
isso é bom? não. é ruim? não. é o que é, e ninguém tem nada a ver com isso. como dizia o sábio Mr. Catra:
“deixa as pessoas.”
agora, sim, uma visão de escrita
amo observar a maneira como uma história se relaciona com a escrita e como a escrita se relaciona com a história. já comentei mais de uma vez também que é fácil pra mim abandonar um livro porque a escrita não condiz com a narrativa, ou o texto passa a usar termos e frases que simplesmente não fazem sentido pra mim, dentro do universo em que a história se passa.
eu sei que parece maluquisse (e talvez seja), mas as palavras são tão importantes pra mim que já aconteceu de eu parar uma leitura porque o autor usou uma palavra específica que, pra mim, quebrava totalmente o ‘tchans’ da história.
estranha, e com orgulho.
em ‘Quarta Asa’, isso ficou muito claro, o que me levou a pensar nesses pontos.
1. você tá feito se souber segurar a atenção do público
não importa se você escreve bem ou não, se você souber como segurar a atenção do público, você tá feito. a Rebecca faz isso muito bem criando uma narrativa regada à adrenalina do começo ao fim. tanto que a diferença pro segundo livro da série, ‘Iron Flame’, foi muito comentada no TikTok: é um livro denso, muito explicativo e sem tanta ação. ‘Quarta Asa’, por outro lado, é quase uma versão fantástica de ‘Velozes e Furiosos’ de tanta coisa que acontece uma atrás da outra. quanto à linguagem, tá longe de ser uma construção super elaborada, o que me leva ao próximo ponto.
2. a linguagem pode ser um personagem também
foi isso que senti com esse livro. a Rebecca escreve de um jeito simples, com uma linguagem super comum, bem do dia a dia, e que facilmente seria o tipo de linguagem que os personagens usariam se fossem pessoas reais. pensa na galera que tá na faculdade, lá nos seus 20 e poucos anos. hoje em dia, ninguém usa falas complexas, um discurso ultra polido ou usa metáforas e mais metáforas pra passar uma ideia. é uma comunicação direta, cheia de gírias, palavrões e frases curtas.
funciona por causa do contexto, e gera identificação porque é um jeito de falar contemporâneo. essa linguagem também se mantém ao longo da história, o que gera consistência. ou seja, apesar de ser um texto simples, é fácil de consumir e aproxima os personagens do público alvo.
entretenimento, diversão, nicho.
3. textos geram emoções tão intensas quanto filmes
eu sei que já comentei um pouco disso no primeiro ponto, mas é verdade: dá pra fazer um texto tão cheio de adrenalina quanto um filme ou uma série de TV. é, inclusive, interessar de perceber como o final de cada capítulo de ‘Quarta Asa’ parece o fim de um episódio de série. não é à toa que os direitos do livro já foram comprados pra uma adaptação.
se essa construção foi proposital e tava no plano inicial da Rebecca, é difícil saber. mas também não é novidade que existem muitas obras que são escritas já prevendo ou pensando numa adaptação pro cinema, ou pras plataformas de streaming.
um comentário extra
eu vi esse vídeo da Karou outro dia e assino 100% embaixo de tudo o que ela fala. se você quer escrever bem, precisa ler ficção. é a melhor forma de aprender como descrever cenários, personagens, cenas românticas e até de ação. e eu fiquei pensando o quanto a Rebecca precisou ler pra construir a narrativa do jeito que ela construiu, por exemplo.
não existe escrita sem leitura, porém existe leitura sem escrita. você não precisa escrever ou ser escritor pra curtir ler, mas se você quer escrever, precisa, sim, ler muito. é quase parte da descrição do emprego.
fazer análises como essa, tentando entender o que funciona e o que não funciona num livro, é interessante porque colabora pra construção do seu próprio repertório, assim como toda leitura que você faz. se algum dia você quiser escrever personagens contemporâneos, já sabe como. é só ler ‘Quarta Asa’.
isso não significa plágio. significa compreender como isso foi feito antes pra você fazer o mesmo na sua história, com as suas próprias palavras. mas, se formos 100% sinceras aqui (e eu gosto de pensar que a gente é), a melhor forma de aprender é através da cópia. você primeiro tenta fazer como um autor fez pra desenvolver a sua própria voz e estilo de escrita no caminho.
com esse livro, eu aprendi muito sobre escrever de uma maneira informal que representa uma faixa etária específica e aproxima o leitor dos personagens e do universo da história. e isso é muito legal.
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o principal aqui, eu acho, é que a gente sempre consegue encontrar algo pra aprender numa leitura, mesmo que seja um livro que a gente considera “ruim” ou que abandonou porque é fresca demais na relação com as palavras (eu).
vivendo e aprendendo, literalmente.
é isso por hoje.
se cuida e fica bem,