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coloco meus maiores anseios e impressões do mundo numa folha de papel digital.
o resultado é ambíguo: não em relação ao texto, mas o que espero dele. quero que pessoas me leiam na mesma proporção em que espero que meu texto passe batido pela multidão que hábita a internet.
se alguém me ler, ótimo. se ninguém me ler, melhor ainda.
mas parte de mim sofre, e, como cria dessa terra de ninguém, me vejo condicionada a buscar pelo resultado quantitativo do que escrevi. quantos likes? salvamentos? compartilhamentos? quantas contas alcancei com esse texto? meu número de inscritos aumentou?
afinal, será que eu consigo viver da minha arte?
são perguntas que se chocam umas contra as outras e se casam à minha frustração de estar aqui há anos (“desde que tudo isso aqui era mato!”, eu brado pra quem quiser ouvir) e não alcançar o sucesso que eu imagino que mereço alcançar.
temo ser cancelada pelo conteúdo dos meus textos (“será que eu devo falar o que penso de verdade?”) e também de viralizar (“deus me livre alcançar um milhão de pessoas com um texto”). meus olhos brilham com números que parecem interessantes enquanto minhas palavras embaçam e desfocam, se vêem xoxas, capengas e anêmicas pelo peso das minhas expectativas.
não celebro mais o texto publicado, mas suspiro pelos números não alcançados.
obcecada, invisto em formatos que parecem dar certo pros outros, mas nunca pra mim.
talvez viver de arte não esteja nas minhas cartas.
talvez eu só não tenha entendido o jogo ainda.
talvez precise me esforçar mais, espremer minha mente criativa até sangrar.
talvez eu deva ser mais direta, vendedora, menos jornalista e idealista.
talvez seja preciso fazer o que todo mundo quer ver pra fazer o que eu quero num futuro distante, que ninguém sabe se vai chegar.
talvez eu deva ser alguém diferente de mim pra alcançar o que admiro nos outros.
talvez eu deva desistir de escrever, porque não dá resultado.
talvez me perceba arrogante o suficiente pra achar que o sucesso me é devido porque, afinal, tô aqui há tanto tempo - é o mínimo, né? tem gente ganhando muito e fazendo muito menos.
a vitimização me consome as veias e me tira o sono. culpo minha teimosia por fazer as coisas do meu jeito e não da maneira que a escrita pede. paro de ouvir quando ela grita no meu ouvido que a conexão é a sua meta - não as cifras douradas.
o cansaço me tira as palavras dos dedos. de repente, não sei o que dizer. emudeço e desapareço por umas semanas.
o ciclo continua, implacável nos seus avanços. até que, um dia, paro e me faço a pergunta que permeia o meu consciente, dessa vez querendo mesmo saber a resposta.
“por que eu escrevo, afinal?”
a cilada dos números
escrever o abre dessa newsletter doeu. eu não vou mentir, me vendi pro sistema tanto quanto qualquer pessoa, e apesar de querer ser nobre e dizer que, não, eu não ligo pros números, isso não seria verdade.
e eu tô tentando mentir menos.
tem uma informação que o meu cérebro insiste em manter: esse vídeo do Jaron Lenier (tem legenda em português) em que ele explica como o único erro da internet está na sua concepção: a gratuidade. não falo disso levianamente, porque entendo, até certo grau, as consequências que poderíamos viver caso tudo na internet fosse concebido com um paywall desde os primórdios.
seria um baque em termos de acessibilidade. por outro lado… quando olho pros efeitos que a internet, da maneira como foi concebida, causou na nossa saúde mental, questiono se essa não teria sido a melhor opção.
existem inúmeros estudos que conectam o uso de redes sociais, por exemplo, com a nossa saúde mental. o ciclo de dopaima, o neurotransmissor que gera a nossa sensação de bem-estar, em que essas ferramentas nos mantém presos. até a ideia inicial que levou aos likes e ao ato de scrollar (de cima pra baixo) dessas redes - tudo foi inspirado nas máquinas caça níqueis dos casinos que, sim, são conhecidas por gerarem vício e sérios problemas financeiros mundo afora.
(se você tem acompanhado o boom dos jogos do tigrinho, no Brasil, talvez saiba o que isso significa.)
não levou muito pro meu feed do notes, aqui no Substack, estar recheado de postagens sobre como ‘crescer a sua newsletter em X dias’ e histórias de sucesso do tipo ‘como fiz pra ganhar 6 dígitos com a minha newsletter’.
no threads, pós-fim do Twitter no Brasil, também foram só alguns dias pras pessoas regozijarem no algorítmo (até agora) generoso da plataforma. “olhem esses números”, eles dizem, “vale a pena escrever por aqui”.
que cansativo.
o ciclo de decepção se mantém. “só eu não alcanço esse tanto de gente”, “o que eu escrevo não é interessante”, “eu não sou boa escritora”, e a espiral de pensamentos intrusivos e depreciativos me faz abandonar a vontade de escrever novamente.
se não é pra fazer uma fórmula funcionar, eu tô errada?
a mentalidade norte-americana, extremamente conectada com números e crescimento exponencial, muito enraizada na cultura capitalista em que a gente vive, entra na nossa cabeça de um jeito que é difícil ver alegria nas pequenezas que a escrita proporciona. “monetize o seu hobby”, é o que diz, “crie a sua própria realidade e viva da sua escrita!”.
o que esse discurso não considera são os recortes de gênero, raça e até de cultura, que, muitas vezes, impossibilida o ‘viver de arte’ da maneira como é vendido.
é o sistema, infelizmente. e há pouco que nós, enquanto indivíduos, podemos fazer pra ir na contra-mão do que nos é imposto. até o poder de escolha, no fim das contas, é um privilégio e, mesmo ele, pode ser manipulado - como bem explicou Miranda Priestly em uma das cenas mais icônicas do maravilhoso ‘O Diabo Veste Prada’. (infelizmente não achei a cena legendada. se você souber de um vídeo com legenda PT, me avisa?)
parece que, de fato, somos condicionados e ensinados a não sentirmos alegria na vida adulta, e manter o propósito em algo que amamos fazer é um ato resistência.
taí, talvez essa seja a resposta pra pergunta.
por que continuar escrevendo?
seria maravilhoso se a resposta fosse simples e fácil de entender, como a receita de um bolo. não é o caso, claro. ter a resposta na ponta da língua também não é a resposta correta porque, como seres em constante evolução, nós mudamos e nossas motivações também.
volto pra ideia de “escrever como um ato de resistência” porque a escrita é uma ferramenta poderosa de autoconhecimento. e, sejamos sinceros, uma pessoa com conhecimento de si tem muito poder. quem se conhece e se mantém aberto a continuar se conhecendo dificilmente se deixa levar pelo brilho daquilo que não tem valor pra si.
pelo menos, é isso que eu gosto de acreditar.
escrevo pra entender o que penso de mim e do mundo. tenho repetido esse mantra na minha mente quando sento com uma nova aba do Notion aberta, ultimamente. e percebo que, como resultado, o quantitativo perde um pouco da força.
li em algum lugar que pessoas amam nos ouvir falar sobre o que amamos. e eu amo escrita com uma força maior que eu mesma. acredito no seu poder curativo, mas, principalmente, na sua capacidade de gerar conexão.
pra falar de forma prática, recentemente tive duas experiências ruins com livros. os dois eram do gênero comédia romântica e me deixaram extremamente frustada no final. eu tive dificuldade de entender o porquê e logo em seguida me voltei pra duas fanfics que amo e são absolutamente gigantes (da casa de 400 mil palavras pra mais). no meio dessas novas releituras, parei pra me perguntar porque me senti tão decepcionada e precisei correr pra materiais tão densos e profundos.
ah.
ah!
era isso. profundidade. me recuso a generalizar um gênero inteiro por conta de algumas experiências ruins - e existe uma discussão muito necessária sobre o papel das editoras e do mercado editorial em lançar livros como se fosse uma pastelaria, com pressa e desconsiderando a qualidade do trabalho final e a visão dos autores.
mas personagens rasos e tramas que não aprofundavam nas relações humanas e na conexão entre os personagens e da história com o leitor me fizeram voltar os olhos pra trabalhos onde eu sabia com toda certeza que isso acontecia. foi a minha forma de suprir uma necessidade.
tenho observado o crescimento de plataformas como o Substack, a popularidade do Threads e ouvido cada vez mais falar de pessoas (próximas e desconhecidas) que estão abandonando plataformas como o Instagram e o TikTok em busca de lugares mais calmos pra habitarem na internet.
uma mudança de comportamento, talvez? na minha análise, sinto que o que falta é isso: profundidade. é tudo muito raso, muito conversinha de elevador, muito comentário sobre o tempo na fila do banco.
mas tem algo faltando e a mudança de comportamento das pessoas na internet (pelo menos, na minha bolha), talvez seja um forte indicativo disso - a busca pela profundidade e pela conexão.
e, hoje, é por isso que eu escrevo.
escrever é um ato de rebeldia. ele exige profundidade, olhar pra si, encarar demônios que a consciência evita. pede a linguagem adequada (pra você e pra quem eventualmente te ler), exige sentido e estrutura, independente do tamanho do texto e do número de palavras.
continuar escrevendo é resistência. adaptar é preciso, mas encontrar novas formas de escrever não torna a escrita menos relevante.
e se alguém vai ler?
bom, tenho aprendido cada vez mais a me preocupar com aquilo que controlo e não com o que que está fora da minha alçada. não controlo alcance, entrega, likes ou qualquer outro número.
mas controlo o que escrevo e a mensagem que entrego.
parafraseando um dos meus youtubers favoritos, o Matt D’Avella: escreva pela alegria de escrever, e não pelas respostas que o seu texto pode gerar.
como apoiar escritores
é impossível falar desse processo e não citar o apoio a escritores. digo escritores e não só ‘autores’, porque ‘autor’ é mais associado com escritores que publicaram seus livros de maneira tradicional. e não só de livros vive um escritor.
(isso é mais literal do que parece.)
escrever é uma arte solitária. nem sempre quem escreve tem retorno sobre um texto. eu sei, é contraditório, considerando o que escrevi nessa newsletter até agora. mas sei que, no fundo, todo mundo que escreve e publica seus textos quer alcançar alguém.
em tempos de engajamento fantasma, quando não sabemos quem vê, como vê e o que entende do que publicamos, apoiar aqueles que você gosta é o empurrãozinho motivacional que nós, escritores, tão frequentemente precisamos.
deixe um comentário: nada melhor do que responder palavras com outras palavras, porque é isso que gera conversa (e conversa gera conexão). se você pode falar ao vivo, melhor ainda!
compartilhe um texto: se você acha que aquele escrito pode transbordar em outra pessoa também, manda pra ela. isso gera conversa entre vocês (e conversa gera conexão 😉)
faça perguntas: sobre o texto para o escritor. sobre suas inspirações, seus porquês. suas dicas e hacks, sua rotina. isso gera conversa também (e conversa gera… bom, você entendeu, né?)
se possível, abra a carteira: compre o livro, assine a newsletter, apoie financeiramente o trabalho de um escritor.
comemore as vitórias: mas também esteja disponível nos momentos ruins, quando o desânimo e a falta de inspiração bate. apoio é apoio independente do momento de vida.
se é pra gente dar palco pra alguém, que seja pras pessoas que a gente admira. (e não pra maluco, por favor.)
seria muito legal se a vida tivesse manuais de instruções que a gente só lê e aplica e consegue o resultado que quer sem muita dificuldade ou problema. quem sabe seria mais fácil e não tão sofrido.
pensando bem… a verdade é que seria chato demais se fosse assim, né?!
por isso… sigo escrevendo, buscando respostas pra grandes perguntas que ocupam minha mente inquieta.
é isso por hoje.
se cuida e fica bem,
Só continue, amiga. Aprenda a descansar quando necessário pra recuperar o fôlego e depois... continue. <3