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lembro de assistir o clipe de ‘Teardrops on my Guitar’ num sábado de manhã, no TVZ, do canal Multishow. o que me chamou atenção foi a combinação do cabelo cacheado e loiro absolutamente perfeito, o vestido impecável e a melodia que era triste o bastante pra fazer o meu coração emo bater mais forte.
não foi ali que eu virei fã de Taylor Swift. levou um tempo, e eu tinha vergonha de falar em voz alta que curtia as músicas que ela cantava. na época, ainda me auto-intitulava fã de punk rock e me recusava a assumir publicamente que gostava de músicas tão… femininas, segundo a minha visão equivocada e imatura.
‘Love Story’ é, e suspeito que sempre vai ser, uma das minhas músicas favoritas da Taylor. primeiro, porque faz alusão à Romeu e Julieta - e se você acompanha o meu conteúdo há um tempo, sabe que esse é um dos meus livros preferidos. segundo, porque é um resumo bem feito do romantismo que eu sempre imaginei pra mim (o vestido de princesa do clipe ajudou muito na compra dessa ideia).
ainda levou um tempo pra eu, de verdade, assumir pra mim mesma que eu não só gostava das músicas da Taylor, como admirava a maneira que ela escrevia. de certa forma, sempre senti que ela conseguia colocar em palavras aquilo que eu mal sabia definir, de uma forma tão bonita que era difícil ignorar.
eu trabalhava com jornalismo de celebridade na época em que ela explodiu - fiz inclusive a cobertura do rolê com o Kanye no VMA - e acompanhei muito da evolução da carreira dela, em parte por causa do trabalho e em parte porque, como já falei, eu já era fã.
mas foi só no último ano que entrei mesmo pro time das swifties, e uma coisa que eu percebi é como é legal ser fã de alguma coisa que a gente realmente gosta. pessoalmente, sinto que passei boa parte da vida me privando de curtir de verdade as coisas que eu gostava, como se não fosse permitido, de alguma maneira.
se era proibido ou não, não vem ao caso. mas me ver de novo no papel de fã tem sido uma aventura que eu não esperava viver, por mais simples que pareça. agora, tendo vivido o meu primeiro lançamento de álbum como fã assumida e acompanhado toda a bagunça que virou a internet com o lançamento de ‘The Tortured Poets Department’. sinto que aprendi bastante sobre o poder de poetizar o particular.
explico.
vulnerabilidade engaja
já bati nessa tecla mais vezes do que gostaria de contar, mas é verdade que a Taylor é rainha de expor as suas feridas pro mundo na forma de música. acredito que, se a minha percepção estiver correta, ela vai entrar pra história por muitos motivos, e um deles é por ser uma das maiores poetisas da nossa era.
existem inúmeras maneiras de contar uma história, mas o que a Taylor mostra é a possibilidade de contar as suas próprias histórias particulares de forma que gera identificação. foi isso o que me transformou em fã.
aquela romantização do amor do começo da carreira, as desilusões da adolescência, as dificuldades do começo da vida adulta, a gente passou aquilo muito em paralelo - claro, em níveis e com graus de riqueza absolutamente diferentes, em contextos quase opostos. só que ela encontrou uma forma de expressar cada uma dessas experiências de maneira que eu me sentia vista e os meus sentimentos, validados.
esse, eu sinto, é um dos motivos pelos quais ela criou uma base de fãs tão fiéis. Brené Brown não fala do poder da vulnerabilidade como ferramenta de conexão à toa, e as músicas da Taylor são prova. não se consegue fãs tão fervorosos assim sem motivo, afinal.
inclusive, já que falei da Brené, é bom lembrar outro ponto importante da teoria dela: compartilhar com o mundo apenas feridas já cicatrizadas e deixar as abertas pro seu círculo de confiança. a meu ver, foi exatamente isso que a Taylor fez com TTPD - são 31 músicas relatando as feriadas que, agora, já tão cicatrizadas e devidamente curadas.
esse é um ponto importante quando a gente fala de escrita. gerar conexão não é tão simples quanto parece e alguns dos livros mais marcantes que eu já li foram classificados dessa maneira justamente porque, de alguma forma, me fizeram sentir conectada com a narrativa.
um pouco sobre o conjunto da obra
eu tinha um plano diferente pra esse texto, mas percebi, no meio do caminho, que tava indo na contramão do que eu mesma acredito, e precisei voltar e recomeçar pra trazer a conexão que eu tanto busco.
porque a conexão parte de histórias, de vulnerabilidades, de compartilhamentos. nessa hora, parece que tudo muda: da forma como eu escrevo às palavras que eu uso, e o vocabulário do dia a dia parece não satisfazer o que eu tô querendo expressar.
ouvindo esse novo álbum da Taylor, eu sinto que a gente recebeu uma aula de como fazer exatamente isso. não é sem motivo que as fãs brincam que é preciso um dicionário pra acompanhar cada novo lançamento. a loirinha tem mania de usar palavras que a gente nunca ouviu antes (descobri que ‘sililóquio’ é o ‘ato de conversar consigo mesmo’) pra traduzir sentimentos muito particulares.
e isso, a meu ver, é poesia.
a maneira como ela constrói as frases, as metáforas que usa, até mesmo a quantidade de palavras do álbum (algumas músicas são bem longas e tem versos e mais versos) mostra também como a escrita, às vezes, é muito mais catártica do que a gente imagina.
ao longo da carreira, eu sinto que ela demonstrou uma evolução de escrita que me impressiona bastante. coloque aí o fato de que ela tem um repertório absurdo, que ela lê muito (tem claras referências a ‘Só Garotos’, da Patti Smith, na música que dá nome ao álbum, por exemplo) e vê muita graça nos fãs correndo internet a fora tentando desvendar o sentido de cada frase.
esse é outro ponto que eu sinto que coloca a Taylor num patamar de escritora de primeira: ela brinca com a interpretação das próprias letras. a real é que só ela vai saber o que cada música representa e o sentimento que ela quis colocar ali. pra gente, que ouve, cada música vai fazer sentido por um motivo e em um momento da vida. se um dia eu ouvia ‘Love Story’ em loop, hoje definitivamente escuto ‘right where you left me’ de novo e de novo porque é uma música que se conecta com algo que eu tenho sentido.
e aí, eu acho, entra a subjetividade da arte: ela não tem resposta certa e pode ser interpretada de muitas maneiras em diferentes momentos da história.
longe de mim dizer que a Taylor é perfeita (porque ela, claramente, não é - assim como eu e você também não somos), mas ela trata a escrita com reverência e transforma poesia em música. o ‘bom’ ou ‘ruim’ é muito subjetivo, mas é preciso gostar muito de escrever pra usar palavras como ‘albatroz’ e ‘beguiling’ (inglês pra ‘sedutor’) numa letra de música, né?
estávamos cegos para circunstâncias imprevistas
aprendemos os passos certos para danças diferentes
e nos tornamos vítimas dos olhares dos intrusos
- How Did It End?
tudo é história
não queria falar de storytelling, mas eu sinto que é impossível não mencionar quando Taylor Swift é o assunto. assim como eu falei no post sobre ‘Quarta Asa’, não importa a qualidade da escrita, se você souber como prender a atenção do público, você tá feita.
a Taylor é outro exemplo disso, porque cada música é uma história, e alguns álbuns são livros, que contam uma narrativa única do começo ao fim (‘1989’ é um exemplo). saber contar histórias é um dom que ela domina, e quer você reconheça isso ou não, é parte também do que torna a sua música tão viciante.
não é tão simples contar uma história que engaja - olha pra sua lista de livros não terminados, por exemplo. manter alguém ligado no que você tá contando é complexo, ainda mais em tempos de atenção tão efêmera. e foi isso que me fez, em parte, recomeçar esse texto e abandonar a primeira versão que eu tinha escrito.
não tinha conexão, não tinha história.
longe de mim (de novo) dizer que esse texto aqui é perfeito e vai atingir o objetivo, mas definitivamente é um que me deixa mais em paz com a minha própria escrita porque tem mais de mim e menos de uma fórmula conhecida de conteúdo.
(eu ando questionando muito a minha maneira de escrever.)
Taylor me deixou com saudade de escrever textos bonitos só porque eu tava com vontade, sem a necessidade de publicar ou compartilhar por algum motivo. de escrever mais pra mim do que pros outros (porque esse álbum é claramente escrito por ela e pra ela), e deixar que a criatividade cumpra o seu papel independente da opinião alheia.
claro, ela tá numa posição, hoje, em que ela pode fazer isso sem se justificar pra ninguém. mas, sei lá, se a ideia era deixar o público reflexivo e intrigado, posso dizer que ela cumpriu a meta.
tudo isso pra dizer, de novo, que não existe um jeito certo de escrever e que livros podem ser escritos no formato de música, que podem ser escritas na forma de poesia. e podem ter palavras complexas e metáforas e eufemismos e todos as figuras de linguagem que a língua oferece.
na minha humilde opinião, esse tipo de escrita é o que caracteriza um clássico. porque assim como grandes escritoras do passado, a Taylor tornou coletiva uma questão pessoal de uma forma altamente relacionável e atemporal. por mais que as músicas delas estejam cheias de referências contemporâneas, o sentimento que ela passa é único e comum pra todo mundo, por mais que seja fruto de experiências particulares.
e sei lá se isso que eu tô falando faz sentido ou não.
mas bateu aqui, sabe?
espero que bata aí também.
no mais: seja gentil com as pessoas. a internet criou esse hábito maluco e violento de impor a opinião de um sobre o outro e, no fim do dia, a gente tá só buscando formas diferentes de ser aceito. se você não gosta de alguma coisa: tá tudo bem, não precisa gritar pros sete cantos do mundo o seu desgosto. se você gosta muito: tá tudo bem também, não precisa fazer pouco caso de que não compartilha do que você pensa.
tá bom? então, tá bom.
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é isso por hoje,
se cuida e fica bem,